quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ainda são gente

olhos vazios de vida vagueiam por essas ruas...
desertas de estar.
colam-se estáticos ao encriptado betão,
desenham graffitis de nada: marcas foscas no sabão.
caras pálidas de ser
percorrem espaços ausentes de rostos -
inertes fantasmas -
caminham na direcção dos tectos ocos,
chegam ao nunca:
ao lado nenhum de todos os lados -
sempre de vazio atarefados.
corpos desprovidos de toque,
movimentam-se apáticos na multidão sem gente;
evitam-se no beijo, no abraço, no doce amasso -
em terrenos virtuais (fibras descarnadas de sangue)
amam-se de paixão: meras estruturas conceptuais - desilusão.
almas carentes de tudo
sofrem nas ânsias sentidas correntes de nada:
andam, correm, param - raramente tropeçam
naquela que é a sua verdadeira estada.
circulam perdidas de si no encontro de si;
rebatem os pisos de sempre -
caem,levantam,
olham de frente o outro (também ele descrente).
músculos rígidos de dor
cambaleiam nos atalhos somados,
soltam lágrimas rebeldes -
há muito cansadas;
cerram nos dentes a chuva,
morada constante de suas mentes.
olhos cálidos de amor
aguardam o momento de si -
neste mundo a que vieram (com tanto vigor).
queimam como que nas águas do ventre;
desbravam caminho no alagar teimoso de quem tudo e nada sente:
ainda são gente.

 Conceição Sousa


1 comentário:

  1. Gente que se levanta e se deita, e no intervalo, são escravos de horas nas mesmas ruas desertas cheias de gente. Não tropeçam porque não podem, a vida gira para lá e para cá, nos mesmos caminhos, nas mesmas entradas e saídas, que sabem de cor. Desbravam os dias como quem ceifa o trigo, rente à terra tudo aproveitando, para no fim pouco sobrar. É o sangue da vida a pulsar.
    Adorei o seu poema, Conceição

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