sexta-feira, 2 de março de 2012

Regressar ao chão
Chamo-te, em silêncio, do alto da montanha
para não acordar as águas que te reclamam.
Vejo-te como se nunca tivesses partido
embora o Outono avance pelas tardes
e as folhas caiam de cansaço.
Procuro-te ainda nos orifícios do tempo,
no rumor da brisa que aflorava o teu rosto
quando, tu e eu, nos perdíamos nos bosques
distantes do frio inclemente da cidade.
Aliás, nada mais existia para além de nós
bastava-nos a melodia das folhas,
os trinados das aves,
a transparência das águas,
os dias a irromper pelas mãos,
descalços os pés, a soletrar o chão.
Por isso te vejo como se nunca tivesses partido
embora a chuva se insinue impiedosa no peito,
as mãos estremeçam no abandono das tuas
e as noites, sempre as noites, na iminência do abismo.

Hoje, enfim, compreendi: escalada a montanha,
há que regressar ao chão.

O grito persiste sufocado na garganta.

Clara Maria Barata
 

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