Regressar ao chão Chamo-te, em silêncio, do alto da montanha para não acordar as águas que te reclamam. Vejo-te como se nunca tivesses partido embora o Outono avance pelas tardes e as folhas caiam de cansaço. Procuro-te ainda nos orifícios do tempo, no rumor da brisa que aflorava o teu rosto quando, tu e eu, nos perdíamos nos bosques distantes do frio inclemente da cidade. Aliás, nada mais existia para além de nós bastava-nos a melodia das folhas, os trinados das aves, a transparência das águas, os dias a irromper pelas mãos, descalços os pés, a soletrar o chão. Por isso te vejo como se nunca tivesses partido embora a chuva se insinue impiedosa no peito, as mãos estremeçam no abandono das tuas e as noites, sempre as noites, na iminência do abismo. Hoje, enfim, compreendi: escalada a montanha, há que regressar ao chão. O grito persiste sufocado na garganta. Clara Maria Barata
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